A EVOLUÇÃO E DESAFIOS DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO
THE ELOVUTION AND THE CHALLENGE OF ELECTRONIC PROCEEDING
Maria Doralice Novaes
ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO DA REVISTA DOS TRIBUNAIS = RDT, nº 167 (jan./fev.)
Resumo: Com a introdução da tecnologia no mundo, o judiciário viu-se obrigado a acompanhá-la. em um primeiro momento, os recursos tecnológicos podem não ter tido muita aceitação, mas ao longo do tempo, concluiu-se que este seria o meio capaz de dar ao jurisdicionado um processo judicial mais democrático em todos os sentidos, com mais transparência e agilidade. Através de uma evolução histórica, a gestora do PJE do maior tribunal regional do pais (TRT 2 Região) conta os desafios da implantação desta nova realidade processual.
Palavras-chave: processo judicial eletrônico – evolução histórica – gestão – TRT 2 Região (SP) – desafios.
Abstract: Because of technology in the world, the judiciary was forced to accompany her. At first, the technological resources may not have had much acceptance, but over time , conclude that this would be the means able to give the claimants a more democratic judicial process in every way , with more transparency and agility. Through a historical development , the gestor of the electronic proceeding's largest regional court of the country (TRT 2ª Region) account the challenges of the implementation of this new procedural reality.
Keyword: eletronic proceeding – historic evolution – termo of office – Appellate Court from 2 Region (SP) - challenge
“Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.” (Clarice Lispector)
1. O início
Sempre que sou convidada a falar sobre o PJe eu faço uma viagem no tempo. Um salto de quase 30 anos de distância para trás. O ano passa a ser 1987. Voltando à condição de Juíza do Trabalho, vejo-me diante da 6ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo.
Reencontro uma confusão de normas e institutos de direito romano, de direito canônico, de direito germânico, regulando aquilo que denominávamos então, o novo processo.
Constato, com um misto de tristeza e frustração, que a Idade Média ainda continuava ditando seus rituais ao processo da segunda metade Século 20: escrito, complexo e lento.
Encontro nesse passado distante, servidores de primeira linha datilografando textos manuscritos por mim que, no necessário processo de revisão, não raras vezes, dava-me conta de que qualquer supressão ou acréscimo àquele escrito impunha que todo trabalho fosse refeito.
Percebo, então, que as duas únicas modernidades que foram implementadas de fato, ao processo, naqueles novos tempos da Justiça foram uma “revolucionária” máquina de escrever, com esfera substituível e uma “poderosa” caneta esferográfica.
Dois equipamentos que, ao contrário do que imaginava, faziam com que o processo parasse por mais tempo na minha mesa. Isso porque se meu texto manuscrito fosse juntado aos autos, como nos tempos de antanho, não seria necessário deslocar um servidor para copiá-lo e recopiá-lo. E, mais, se eu continuasse a escrever com a caneta Parker 51, talvez minha letra não fosse tão ilegível quanto se tornara, já que é muito difícil fazer uma letra inteligível com uma caneta de baixa qualidade.
Resolvi “inovar”. Entusiasmada com uma feira de novas tecnologias que havia visitado, “informatizei” o Juízo.
Adquiri um “super” computador, um TK 3000 COMPAC, e passei a utilizá-lo em minhas atividades jurisdicionais.
A memória RAM era de 64 Kbytes e vinha devidamente acompanhado por um drive de disquete externo de 5¼ polegadas.
Reconheço que essa minha tentativa de inovação não foi muito bem recebida à época, já que a direção do Tribunal passou a entender que os documentos gerados por aqueles novos equipamentos não se mostravam “oficiais” e, portanto, não poderiam ser anexados aos autos do processo.
Busquei superar a dificuldade, “oficializando” os ditos documentos. A impressão das Armas da República nos então papéis contínuos carbonados que adquirira, solucionou a questão. As atas, os despachos e as sentenças passaram, então, a ser “oficiais” e lá foram eles para o caderno processual.
Mais tarde, nos idos de 1994, outros tempos, fui convidada pela direção do Tribunal para presidir e coordenar a Comissão de Informatização da Corte, atribuição que parece me ter sido destinada pelos deuses do olimpo, já que desde então, entre idas e vindas, a ela me dedico.
Implantou-se na ocasião, nas unidades judiciárias do TRT/2, em substituição ao controle manual de processos através de registros escritos, o registro eletrônico pelo acesso ao banco de dados.
As informações passaram a ser mais facilmente localizadas, as pesquisas e estatísticas realizadas com mais rapidez, além de toda a tramitação ser mais transparente ao cidadão. Todo documento, procedimento ou processo recebido no âmbito da Justiça do Trabalho da Segunda Região passou a ser lançado no sistema, o SAP (Sistema de Acompanhamento Processual)
Neste contexto em mutação chegávamos ao fim do segundo milênio trazendo diferentes indagações sobre a função da Justiça que há muito houvera revelado a sua fragilidade, mas que, ao divulgar com transparência os dados obtidos pelos sistemas informatizados de acompanhamento processual e suas respectivas estatísticas acabou por mostrar, em verdade, que apenas a sua morosidade é que estava sendo possível ser controlada pela via eletrônica.
2. O processo de transição
Chegávamos ao fim dos anos 90 do século 20. Despertava-se um amanhecer de questionamentos sobre o significado de tudo. A sociedade passava a considerar as soluções computacionais em verdadeiras ferramentas, passando a ter com elas uma interação dialética.
As mentes e as máquinas passaram a se integrar. Passaram a ter uma lógica própria com capacidade de transformar todas as informações em um sistema comum de informação. Era fenômeno mais importante que a modernidade já experimentou. A revolução da tecnológica da informação. Sua irreversibilidade associada ao seu dinamismo, ao seu ritmo acelerado modificava a vida no mundo, transformava hábitos e costumes.
Chegava para unir os povos, expor idéias, trocar informações, unir raças, credos e culturas. Mas chegava, também, para mudar as necessidades. Para criar outras.
Neste contexto e como resposta a toda essa nova visão, aliado às pressões internas e externas, iniciou-se no Brasil um processo mudanças.
A exemplo da Lei 8.245 de 1991 que permitia, desde que pactuado no contrato e restrito à pessoa jurídica ou firma individual, a utilização do telex e do fac-símile, publicou-se em 1999 a Lei 9.800, a chamada Lei do Fax, permitindo às partes a “utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais”.
Mas foi no início do terceiro milênio que as mudanças começaram a se revelar, mesmo que no início se mostrassem bastante tímidas.
Com efeito, em 2001 a Lei 10.259 trouxe a possibilidade de que a comunicação de atos processuais e recepção de documentos fossem feitos pelo meio eletrônico, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais na área Federal, deixando, no entanto, a critério do Conselho da Justiça Federal através do Centro de Estudos Judiciários e das Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais a criação de programas de informática necessários para subsidiar a implantação da novidade.
Em 2002 promulgou-se a Lei 10.520 instituidora de mais uma modalidade licitação “por meio da utilização de recursos da tecnologia da informação”, transformando assim o pregão, em pregão eletrônico.
Em 2006 o ordenamento pátrio passou a ser incorporado pela Lei 11.280 cujo artigo 2º alterava o Código de Processo Civil, de forma a autorizar a prática e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico.
Poucos meses depois chegava a Lei 11.341, de 07 de agosto de 2006 que, ao dar nova redação ao art. 541 do CPC, possibilitava às partes nos casos de recurso especial ou extraordinário fundado em dissídio jurisprudencial, que a prova da divergência fosse produzida através de decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive julgados reproduzidos na Internet.
Ainda no mesmo ano foi publicada a Lei 11.382, de 06 de dezembro de 2006, que alterava vários dispositivos do Código de Processo Civil relativos ao processo de execução por título extrajudicial, criando os institutos da penhora on-line (art. 655-A) e do leilão on-line (art. 689-A).
3. O surgimento do novo
Mas, foi exatamente no final de 2006, em 19 de dezembro, que surgiu, enfim, a Lei 11.419 trazendo a real mudança, o ingresso definitivo no nosso ordenamento jurídico da informatização do processo judicial.
Através dela foram introduzidas as necessárias reformas ao Código de Processo Civil, prevendo, dentre outras, as seguintes mudanças: que os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário pudessem ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico (art. 16); que a procuração pudesse ser por meio eletrônico, com assinatura digital certificada (parágrafo único do art. 38); que todos os atos e termos do processo fossem produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico (§ 2º do art. 154), inclusive aqueles praticados na presença do juiz, com ou sem impugnação (§§ 2º e 3º do art. 169); que a assinatura pudesse ser eletrônica para todos os magistrados (parágrafo único do art. 164), inclusive nas cartas de ordem, precatórias ou rogatórias (§ 3º do art. 202); que a citação (inciso IV do art. 221) e que as intimações (parágrafo único do art. 237) fossem realizadas pelo meio eletrônico.
Como se observa, o elemento mais importante na formatação dessa nova proposta legislativa pode ser resumido no termo “eletrônico”. É através dele que serão documentados todos os atos e termos do processo, a procuração, a assinatura, a citação, a intimação, os atos das partes, das autoridades e dos órgãos de apoio.
Quanto ao mais, a Lei em apreço determinou aos órgãos do Poder Judiciário a sua regulamentação no âmbito de suas respectivas competências.
Iniciava-se o maior de todos os desafios. A total inclusão digital da Justiça. De fato, os impactos operacionais da aplicação da Lei 11.419/06 são extraordinários.
3. A implantação do Pje no TRT/2
O Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, pioneiro que era no peticionamento eletrônico; no TRT-Wap, sistema de consulta por qualquer usuário do último trâmite processual, via celular; no TRT-Mail, sistema de disseminação automática dos trâmites e das informações processuais por correio eletrônico, via internet; na aquisição e implantação de terminais de extrato de trâmites processuais dirigidos a toda população; na informatização das salas de sessão; no Diário Oficial Eletrônico; na assinatura digital de Acórdãos; e de tantas outras iniciativas que viabilizam os significativos resultados institucionais alcançados, passou a ter como meta que todos os órgãos judicantes passassem gradualmente a fazer uso do Processo Judicial Eletrônico.
Portanto, nada tem sido mais desafiante e ao mesmo tempo mais gratificante do que gerir e administrar a implantação do Processo Judicial Eletrônico no maior Tribunal Trabalhista do país, o de São Paulo, da Segunda Região.
Um desafio profundo, complexo e importante. Um desafio que nos faz trilhar um caminho sem volta.
Vale lembrar que, não obstante o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região seja o menor Tribunal do País em área geográfica, já que tem sob sua jurisdição apenas a Região Metropolitana de São Paulo e parte da Baixada Santista, sempre foi e continua sendo o maior Tribunal Trabalhista do País.
Não é por acaso que o atendimento à população à luz da demanda processual que lhe é reservada assume proporções gigantescas e que os números registrados são capazes de demonstrar que se cuida de um Tribunal com posição e situação de extrema peculiaridade.
De fato, submetendo-se a uma demanda processual quase quatro vezes maior que a média de toda Justiça do Trabalho Brasileira e 42,5% superior ao Regional Trabalhista apontado na segunda colocação, o da 15ª Região, tem um movimento processual que por si só impressiona. Em 2015 tramitavam cerca de 1.700.000 processos, dos quais 850 mil encontravam-se na fase de conhecimento, 300 mil na fase de liquidação e 580 mil em fase de execução.
Por outro lado, há que se levar em conta que a Grande São Paulo é uma região marcada pelas diversidades. É rica, das grandes fortunas, da tecnologia e da modernidade ao mesmo tempo em que é a região do carroceiro, das ruas de terra e do trabalho escravo. Cada espaço tem sua peculiaridade, seja na atividade econômica, nas condições sociais, na diversidade cultural, na qualidade do transporte. Só há homogeneidade na vontade do cidadão de que a Megalópole lhe traga o melhor: o melhor transporte, a melhor segurança, a melhor saúde, a melhor educação, as melhores condições de trabalho, a melhor Justiça.
E, quando se fala em melhor Justiça não se pode olvidar que, na sua plenitude, além de acesso aos Direitos também se exige acesso ao Judiciário.
E, mais, para que se possa oferecer a melhor Justiça é importante que seja ela inteiramente democratizada, de modo que ao povo seja franqueado, em todos os sentidos, o acesso à informação, às decisões, aos serviços e ao bom atendimento.
Nesse sentido, o Processo Judicial Eletrônico revelou-se como uma das ferramentas mais apropriadas e oportunas, já que representa um largo passo na democratização da Justiça, propiciando a aproximação do Judiciário com a Comunidade.
Alinha-se, ainda, ao princípio da eficiência inserto no caput do art. 37 da Constituição Federal. Isso porque, referido dispositivo nos lembra que, embora não se espere lucro financeiro na operação de um órgão público, é esperado que ele realize suas atividades com a máxima eficiência.
Assim, augurando que o Judiciário Trabalhista alcançasse um imenso lucro social, buscando a excelência e lutando para aplicar de maneira eficiente e inteligente os seus recursos materiais, humanos, financeiros e tecnológicos é que o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região passou a mobilizar um amplo quadro de especialistas em equipes de várias áreas, num trabalho de parceria sem precedentes, rumo ao almejado futuro: o pleno funcionamento do Processo Judicial Eletrônico.
De fato, exigiu o Processo Judicial Eletrônico a alteração da estrutura do procedimento judicial tradicional ao automatizar a prática de inúmeros atos tornando-se moderno, verdadeiramente contemporâneo, coerente com o mundo atual, cujas facilidades introduzidas pelo universo tecnológico, especialmente qualificado nos últimos anos pela disseminação do uso da internet têm provocado uma verdadeira revolução.
Eliminou, por completo, todo ferramental utilizado através dos tempos pelo Judiciário. Autos, pastas de processo, capas de cartolina, fitas adesivas, livro de registros, carimbos, carrinho para transporte dos autos, prateleiras para arquivo, grampeadores, clips, computadores e sistemas informatizados de apoio, apenas para citar alguns.
Alterou inteiramente, também, o modelo ou o padrão tecnológico vigente. As habilidades e os conhecimentos de juízes e servidores, os padrões de operação, as políticas, as regras e os critérios adotados para o funcionamento e operação, bem como a estruturação das atividades para prestação dos serviços jurisdicionais.
A busca da eficiência, como se disse, é a tônica desse projeto e os trabalhos até agora desenvolvidos representam várias etapas, produzidas todas, a partir de discussões conceituais e de políticas públicas necessárias às diversas frentes.
E para garantir o sucesso do novo modelo tornou-se indispensável que o Tribunal desenvolvesse uma cultura gerencial baseada no desempenho. Isso significou que a instituição precisou promover a capacitação de seu pessoal em todos os níveis organizacionais, incluindo servidores e juízes, visando a criar uma massa crítica necessária para ajudar e consolidar o conhecimento nas novas práticas cotidianas que o Pje passou a exigir.
Foram criadas rotinas de trabalho específicas para a execução da nova ferramenta tanto para servidores, como para magistrados; as instalações físicas foram sendo gradativamente alteradas, assim como as diversas unidades e os serviços. Equipamentos de auto atendimento foram alocados tanto em nossas instalações, quanto pelo acesso direto à internet.
Os documentos, as assinaturas, o protocolo, o diário oficial, a distribuição, a inicial, a defesa, o recurso e todos os demais atos processuais passaram a ser realizados pelo meio eletrônico.
Ademais, por se tratar de um sistema que utiliza a plataforma web o Processo Judicial Eletrônico, o Pje, funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, 12 meses ao ano, rompendo, assim, a necessidade de o advogado deslocar-se até o fórum para ter vista do conteúdo dos autos, já que tem acesso à sua íntegra, independentemente de despacho ou de autorização do magistrado.
Os equipamentos disponibilizados também são modernos e seguramente estão a possibilitar um melhor atendimento tanto ao jurisdicionante como ao jurisdicionado. Aos operadores do direito, aos servidores e aos magistrados, oferece condições adequadas e favoráveis de trabalho.
Seu código fonte é de propriedade da União e essa peculiaridade define uma importante diretriz: permite sua implantação sem custos para o Tribunal, representando substancial economia de recursos da União.
Mas o principal benefício, mesmo, é a redução de tempo na tramitação de um processo.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 70% do tempo da tramitação de uma demanda é gasto com comunicações processuais, numeração de documentos e certificações. Com o Processo Judicial Eletrônico, estas ações são feitas automaticamente, o que reduz o tempo processual necessário para o juiz tomar sua decisão.
E, para otimizar o desenvolvimento e a implantação do sistema ele foi dividido em etapas.
A primeira delas, o Módulo Vara do Trabalho foi aplicado experimentalmente em 2011 na cidade de Arujá, denominada inicialmente como Vara Piloto, aliás, nossa atual Vara Modelo e Vara Escola que, mantendo uma interface intensa com os Comitês Gestores auxiliou e tem auxiliado sistematicamente a todos na busca de soluções para as inconsistências que o sistema, no seu desenvolvimento, possa apresentar.
Ajustado o programa, o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, em 2012, iniciou à implantação oficial do PJe em todas as suas unidades, dando adeus aos autos de processo físico, ao processo judicial tradicional.
Cumprido integralmente o cronograma, em menos de três anos todo o Tribunal e todas as Varas do Trabalho de São Paulo passaram a ser integrados ao novo sistema.
O software a cada dia fica mais robusto. Os erros desaparecem a cada atualização enquanto que os sucessos são rapidamente emulados e melhorados à medida que se espalham pelo sistema.
O fim do início parece ter chegado, mas, com ele veio uma legião de perguntas sem respostas.
4. O processo de gestão das mudanças
Hieráclito já houvera dito há aproximadamente 500 anos antes de Cristo que:
"Tudo muda exceto a própria mudança... Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado... Nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio por duas vezes, porque nem o homem, nem a água do rio serão os mesmos, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo... É na mudança que as coisas acham repouso.
Nessa linha de raciocínio posso afirmar, as mudanças vieram, mas o repouso ainda não.
De fato, para a alegria dessa antiga magistrada o futuro chegou à Justiça do Trabalho, mas ainda está só iniciando, só engatinhando.
Esse novo futuro está reescrevendo o Judiciário e alguns de seus atores. Está definindo seus novos princípios e talvez, até mesmo, seus novos conceitos.
Há inúmeras dúvidas. Muitas ainda estão sem respostas. Bem sei que há um número de pessoas mais do que entusiasmadas que aceitam o desafio de respondê-las.
Penso, contudo, que esse não é momento mais apropriado para fazê-lo. Considero que seria muito mais prudente deixar os geradores de mudança em seu estado atual, vagamente definido, porque serão eles que darão à mudança liberdade para definir-se da melhor maneira, conforme sua própria situação.
Parece-me que nesse momento serão obtidos melhores resultados se nos limitarmos a pensar cuidadosamente em todas as implicações envolvidas no processo de mudança.
De fato, um processo eficaz de gestão da mudança deve ter como tarefa primordial a de implementar procedimentos e técnicas capazes de acompanhar o desenvolvimento da transformação, de auxiliar no planejamento adequado de seu processo, de mitigar a probabilidade de fracasso e, sobretudo, de ajudar a evitar as indesejáveis consequências.
Nesse sentido, as ações devem estar voltadas para os focos de comunicação, capacitação e mapeamento dos impactos, de modo que a execução destas atividades deve contemplar mais o "como" do que quaisquer outras indagações, sobretudo aquelas que exigem conceituações e, portanto, atribuição de valores.
A comunicação nos casos de mudança é absolutamente necessária para facilitar aos condutores das alterações e aos usuários do novo sistema a se apropriarem destes papeis e de suas novas responsabilidades, legitimando o PJe em todos os níveis.
A capacitação através da promoção da aprendizagem e da disseminação do novo conhecimento também constitui elemento fundamental para o sucesso da nova experiência. Somente através do aprendizado contínuo é que será possível aos participantes posicionarem-se de forma crítica e construtiva diante do novo.
Quanto ao mapeamento, penso que se resume em elencar os impactos que estão sendo observados sem, contudo, tentar defini-los ou adjetivá-los.
Ao gestor incumbe apenas identificar, anotar, dos mais sutis aspectos, até os mais relevantes temas que a mudança está atingindo e sobre os quais haverá necessidade de amplos debates para se alcançar a necessária maturidade, a fim de se reescrever, se necessário, seus novos conceitos.
E é nessa condição de gestora, cumprindo, portanto, meu papel de observadora, que passo a relatar os impactos que já foram identificados com a implantação do PJe no Tribunal Regional da Segunda Região.
1. A identidade física do juiz, a oralidade, a concentração dos atos processuais, a audiência una parecem ter perdido espaço num procedimento em que se prestigia o envio antecipado de defesa e de documentos ou, ainda, a realização de audiências por vídeo conferência.
2. As unidades judiciárias de apoio como distribuição e protocolos passam a ser extintas com o novo modelo, de modo que serão necessários procedimentos de reinserção de servidores em novas funções.
3. As atribuições do Oficial de Justiça estão exigir adequações. Isso porque, se as intimações e citações passam a ser feitas por meio eletrônico será absolutamente necessária a redefinição do papel dessa classe de serventuários que serve de alicerce para a efetivação do direito.
4. A existência e a necessidade de expedição de Cartas Precatórias estão com seus dias contados.
Isso porque a criação de Central de Mandados, já implantada há muitos anos no TRT/2 = tornando-se, aliás, prática recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça para o processamento eletrônico de autos = aliada à distribuição automática de mandados entre as diversas jurisdições permite que os atos processuais a serem executados por oficial de justiça fora dos limites territoriais do Juízo que os ordenar sejam determinados por mandado judicial, o qual será remetido diretamente à Central de Mandados responsável pelo cumprimento, sem a expedição de carta precatória.
5. A prova documental encontra no Pje seu grande diferencial.
O documento deixa de ser algo material, uma res, uma representação exterior de um fato, para ser essencialmente o suporte de uma informação.
O documento eletrônico deixa de estar atado ao meio físico, passando a ter autonomia em relação a eles.
Também não se resume mais a escritos. Pode vir a ser um desenho, uma fotografia, sons, vídeos, ou, por outra, tudo aquilo que puder representar um fato e que esteja ou que possa ser armazenado em um arquivo digital.
E, mais. Ao observarmos esse novo meio podemos identificar que ele também se encaixa perfeitamente no conceito antigo, de registro de um fato, na medida em que pode ser traduzido por meio de programas de informática que vão revelar o pensamento ou a vontade daquele que o formulou.
6. Apesar de a fase de cognição e a fase de execução se realizam no mesmo processo, parece-nos estar havendo, na prática, uma tendência para sua cisão, caminhando, assim, na contramão do processo legislativo e das mudanças trazidas pela Lei 11.232/05 ao revogar no Processo Civil as disposições sobre a execução autônoma.
Isso porque a prática tem constatado que a primeira fase permanece a exigir cognicão processual individual para a definição exata do direito de cada parte, mas que a segunda fase, a efetivação do direito com a execução forçada na Justiça do Trabalho parece caminhar para sua coletivização ou centralização.
De fato, as centrais de mandados, de execução, de leilões, de precatórios, os núcleos de conciliação, de pesquisa patrimonial têm demonstrado eficiência quando a execução da sentença coletivizada e acompanhada por um único juiz, conhecedor das reais condições do devedor grande e contumaz.
7. O controle financeiro das contas bancárias vinculadas aos processos judiciais para viabilizar o pagamento de guias, alvarás e depósitos recursais via home banking traz celeridade e transparência para as operações, além de evitar possibilidades de fraudes, mas também está a exigir um magistrado capaz de geri-la.
8. Os convênios ARISP BACEN JUD CCS CDT CNIB INFOJUD JUCESP RENAJUD a permitirem as penhoras ‘on line’ também estão a exigir disciplina própria e referendo da jurisprudência, sob pena de transformá-los em um nada jurídico.
Como se vê, é na luta pelo conhecimento, na conquista de novas idéias que todos nós, os envolvidos no projeto, nos movimentamos, aprimoramos nossas práticas, buscamos criar novas e melhores posturas.
Isso porque a administração da Justiça sempre está a exigir mais. Exige, de todos nós, não que se retrate o que ela foi ou como ela é. Exige compreender como ela se tornará e, sobretudo, como deveria ser, informando, assim sua evolução e seu futuro.
Nessa senda importa dizer que ao gestor incumbe ultrapassar a linguagem atual para explicar as coisas intangíveis. Compreender, avaliar e explicar formas totalmente novas, aquelas que não têm preço, nem mercado.
Deve buscar interligar nossa história a uma história maior, nova e inteligível capaz de informar mais do que comunidade local para alcançar a global.
Deve fazer melhor e entender que isso deve ser feito em conjunto.
Deve compreender também, que esse conjunto há que transcender os atuais limites.
As possibilidades são profundas. As mudanças também. Vão levar tempo. Vão exigir grande respeito pelo passado, ampla tolerância e compreensão do presente e crença e confiança ainda maiores no futuro.
Mas uma coisa é certa, o Pje representa uma odisséia que traz para fora o que há de melhor em cada um e em todos nós. Ele é o caminho para um futuro vivível.
Temos que tentar. E estamos tentando.
MARIA DORALICE NOVAES
Gestora Regiona