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O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EM PRIMEIRO GRAU NO NOVO CPC:

CABIMENTO NO DIREITO DO TRABALHO

 

Maria Doralice Novaes

Artigo publicado na Obra “O Judiciário Trabalhista na Atualidade – Temas Relevantes” LTr/2015

A simplicidade é o último grau de sofisticação.

(Leonardo da Vinci)

 

 

 

 

O Código de Processo Civil de 1973, apesar de ter emprestado uma melhor sistematização às regras processuais e garantido autonomia científica ao Processo Civil, enaltecia o conceitualismo e o formalismo, consagrando um processo moroso e paternalista com o devedor, paternalismo esse que era externado pela maior preocupação com tutelas protetivas ao patrimônio do devedor e com custos altos para o autor, razão pela qual se manteve firmemente fechada a possibilidade de sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho.

 

Com as reformas da legislação processual levadas a efeito principalmente pelas Leis nº 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.382/06, dentre outras, a situação foi modificada, passando o processo civil comum a trazer uma série de disposições que permitiram sua aplicação subsidiária, eis que buscavam alcançar maior efetividade na prestação jurisdicional e reduzir a duração do processo.

 

Desta forma, com fundamento no art. 769 da CLT, passou-se a compreender que os dispositivos que potencializaram o alcance do fim maior ditado pela Constituição de 1988, de garantir aos litigantes a razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVII), deveriam ser aplicados ao processo do trabalho, até porque o próprio legislador trabalhista, em 1946, já houvera estabelecido a mesma garantia, eis que a fez constar de forma expressa na regra contida no art. 765 da CLT, segundo a qual:

 

Art. 765 - Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. (sem os destaques no original)

 

Como consequência da onda renovatória a que se submeteu, as modificações ocorridas no processo civil passaram a trazer sempre à baila questionamentos sobre sua aplicação ao processo do trabalho.

 

Não é por outra razão que, com a promulgação de um novo CPC, ganharam força as indagações acerca do alcance da nova regulamentação processual em relação ao processo do trabalho.

 

Contudo, mesmo admitindo que o novo processo civil tenha sido submetido a diversas mudanças e que seu texto e sua estrutura tenham amadurecido, sua aplicabilidade efetivamente não alcança, nem se submete a grande parte dos anseios do processo do trabalho e dos princípios que o norteiam.

 

Vale lembrar, a propósito, que o direito processual do trabalho assim como o ramo do direito material que o criou nasceu diferente do direito processual civil. Não só nasceu diferente, como também inovou e assumiu personalidade própria com procedimentos que buscavam o equilíbrio das desigualdades sócio-econômicas entre os demandantes.

 

Logo, não é plausível para um juslaboralista copiar o novo modelo apenas pela sua novidade, visto que, repita-se, o direito e processo do trabalho têm natureza diversa do direito civil, de modo que muitas das reformas que foram implementadas ainda não se coadunam com a formatação e a dinamicidade do processo trabalhista.

 

Um dos exemplos marcantes desse descompasso está no sistema recursal que cada qual adota. É bem verdade que o novo código trouxe inovações nesse capítulo especialmente porque um dos principais fatores apontados com causadores da mora que assola o atual processo civil é a quantidade de recursos cabíveis em uma única ação. Não é menos verdade, contudo que o sistema recursal por ele concebido mantém a mesma natureza e a mesma estrutura do sistema anterior e, como tal, permanece incompatível com o sistema recursal trabalhista.

 

Com efeito, embora tenha posto fim ao agravo retido, o art. 1015 do novo CPC ainda admite impugnação das interlocutórias pela via do agravo de instrumento, listando nos primeiros doze incisos as espécies de decisões desta natureza que poderão ser impugnadas por essa via. Possibilita, ainda, no último inciso, o de número XIII, a ampliação desse remédio de direito estrito para “outras hipóteses previstas em lei”.

 

Ocorre que o legislador trabalhista, ao optar por simplificar os recursos trabalhistas, não adotou o agravo de instrumento como recurso para combater decisões interlocutórias. Isso porque no processo do trabalho vigora o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, conforme preceituam os arts. 799, § 2º. e 893, § 1º, da CLT.

 

No âmbito do processo do trabalho o agravo de instrumento tem finalidade diversa e específica, expressamente prevista no art. 897, b, da CLT. Seu cabimento limita-se à impugnação de decisão que denega a interposição de recurso, ou, por outra, de despacho que não admite o apelo interposto pelo vencido, por ausentes seus pressupostos de admissibilidade.

 

Sobre o tema, vale trazer à baila os ensinamentos do professor Carlos Henrique Bezerra Leite, que de forma acertada discorre sobre a distinção entre os processos civil e trabalhista quanto ao tema discutido:

 

O princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias é também chamado de princípio da concentração. De forma diversa do que ocorre no processo civil, cujas decisões interlocutórias proferidas no curso do processo podem ser impugnadas por agravo (de instrumento), o direito processual do trabalho não admite recurso específico contra tais espécies de atos judiciais, salvo quando terminativas do feito no âmbito da Justiça do Trabalho (in Curso de Direito Processual do Trabalho, 2014, p. 799).

 

 

Por outro lado, é sabido que o mesmo legislador trabalhista, ao adotar o recurso de agravo de instrumento com assento no art. 897 da CLT, o fez por entender que as decisões que recusam os apelos pertencem à ordem das sentenças que põem termo à demanda. Logo, seu objetivo claro foi o de permitir a dualidade de jurisdição sobre elas.

 

De fato, a decisão proferida na origem que não admite a interposição de recurso tem natureza terminativa, já que com ela declara-se, em verdade, não só o fim do período probatório, mas, também e, sobretudo, o fim do conflito material.

 

Com esse enfoque há de se atentar para a circunstância de que na Justiça do Trabalho o agravo de instrumento só pode dar-se quando houver despacho proferido na instância que por último julgou a ação, a mesma, aliás, que recusou o apelo interposto e que, por corolário lógico, será julgada no duplo grau pelo tribunal que seria competente para conhecer do recurso cuja interposição foi negada.

 

Não é por acaso que o art. 897 da CLT ao disciplinar o agravo de instrumento estabelece que:

 

Art. 897 - Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias: (Redação dada pela Lei nº 8.432/92)

(...)

b) de instrumento, dos despachos que denegarem a interposição de recursos. (Redação dada pela Lei nº 8.432, de 1992) – (sem os destaques no original)

 

Num cenário como este, vê-se de forma clara que a previsão do agravo de instrumento no processo civil e no processo trabalhista é bastante distinta, sendo que neste o agravo somente cabe para tentar dar seguimento ao recurso não recebido por despacho, sendo que naquele o agravo é previsto para combater decisão interlocutória que cause prejuízo à parte.

 

O único elemento que ambos têm em comum é a necessidade de uma decisão proferida no juízo a quo, cuja revisão a parte postulará. Decisão que passará a ser denominada a partir de então, decisão agravada.

 

Insisto. Em qualquer dos procedimentos (civil ou trabalhista) será uma decisão tomada na origem que em tese possa causar gravame às partes que se enquadrará no dispositivo legal permissivo do ingresso do recurso de agravo de instrumento. No processo civil, uma decisão interlocutória que se alinhe com um dos incisos previstos no art. 1015 do novo CPC. No processo do trabalho, apenas a decisão que se nega a dar seguimento a um recurso.

 

Logo, não tem aplicabilidade ao processo do trabalho a sistemática prevista pelo novo CPC, segundo a qual o juízo de admissibilidade do recurso não será mais exercido pelo órgão jurisdicional que proferiu a decisão, mas somente pelo órgão ad quem, na forma prevista pelo art. 1010, verbis:

Art. 1.010.  A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

(.....)

§ 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade. (sem destaques no original)

 

Primeiro porque a CLT possui preceitos que disciplinam a necessidade de despacho no exercício do juízo de admissibilidade, tanto pelo juízo de primeiro grau, (art. 897, b da CLT), quanto pelo juízo de segundo grau (art. 896, § 1º, da CLT).

Segundo, porque enfoque contrário = restrição absoluta ao juízo de admissibilidade na origem = obrigaria o órgão a quo ao recebimento incondicional de todos os recursos, deixando de funcionar, assim, como um filtro de subida de processos. Desatenderia aos mais elementares princípios que regem o processo trabalhista, a economia e a celeridade processuais.

 

Impõe-se compreender, pois, que o art. 1.010 do CPC não encontra ensejo de aplicação no processo do trabalho.

 

O clamor da comunidade jurídica laboral está sempre voltado para inovações. Pede e almeja a modernização. Conclama por mecanismos legais eficientes que possam reger, por exemplo, a execução trabalhista, ante sua inegável morosidade. Exige, no entanto, que processo trabalhista mantenha em sua essência, a simplicidade.  Repudia que outras normas que deveriam ser aplicadas subsidiariamente ao processo do trabalho estejam se transformando em principais.

 

O processo do trabalho não pode de maneira alguma ficar preso à estrutura do processo civil que, data vênia, confunde segurança jurídica com quantidade de recursos.

 

Uma das formas de manter a Justiça do Trabalho no lugar de vanguarda onde nasceu esteve e de que nunca deveria ter saído é simplificá-la ainda mais.

 

Trata-se de ramo do direito que protege os bens mais valiosos do homem que são a vida, a saúde, a dignidade e a integridade material e moral. É por meio dele, pois, que o trabalhador deve ter condição de, embora sabedor que é desigual sentir-se igual.

 

Pretender atrelar o sistema recursal trabalhista ao do processo civil seria um equívoco. Os transtornos seriam enormes. Este não é o caminho certo. Estaríamos privilegiando algo que foge da nossa realidade. Seriamos apenas repetidores. As bases do processo do trabalho ficariam cada vez mais abaladas e até sua autonomia poderia vir a ser questionada. E, com razão.

 

 

 

MARIA DORALICE NOVAES

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