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MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

AMIGOS HOMENAGEIAM A DESEMBARGADORA VILMA MAZZEI CAPATTO

 

ANA MARIA CONTRUCCI BRITO SILVA

Texto publicado na revista do trt/2 de nº 17/2015

Onde é que mora a amizade

onde é que mora a alegria

no Largo de São Francisco

na Velha Academia!

Quando se sente bater

No peito heróica pancada,

Deixa-se a folha dobrada

Enquanto se vai morrer...

 

Não se pode escrever sobre uma explosão no peito, enquanto se ferve e sangra. Mas há urgência em se dizer de sentimentos, principalmente dos enfeitados de intrigante profundidade. É por isso que, a convite da Revista do Tribunal do Trabalho da 2ª Região, nós os amigos da homenageada temos a honra de, em breve depoimento, trazer aquilo que acreditamos ser uma mensagem partilhada por todos aqueles que conheceram e conviveram com nossa amiga, nossa irmã de coração, VILMA MAZZEI CAPATTO.

 

Única mulher de uma família composta de apenas dois irmãos sempre estudando em escolas públicas = desde o curso primário e até o curso superior = foi da primeira geração do clã a cursar uma universidade.

 

Nascida em Araçatuba- SP, no seio de uma família simples, cujo pai ganhava a vida com a honrosa profissão de barbeiro, só o acaso pode justificar sua trajetória profissional, aquela que a fez chegar ao grau maior da carreira de um magistrado, à função de desembargadora.

 

O acaso, mas talvez, também, a presença nítida, na sua formação, de segurança, de estabilidade e de modelos de comportamento positivos a serem seguidos, todos vindos de um casal corajoso, Pedro Capatto e Leopoldina Mazzei Capatto, seus amados pais.

 

O acaso, mas, também, uma garra e uma força interior subjacente à sua mansidão, que só pelo grito de Clarice Lispector poderia ser justificado e reconhecido, isso quando a consagrada escritora afirma que nós as jovens mulheres dos “anos dourados” somos todas mansas, mas que “nossa função de viver é feroz”.

 

O acaso, mas também a exata noção de que, no seu tempo = no nosso tempo = não era fácil lutar contra preconceitos e verdades legitimadas socialmente; que não era fácil fugir do padrão; que não era fácil, para aquelas jovens mulheres, inventar a própria vida e a própria história.

 

Mas ela o fez.

 

No campo profissional compreendeu que o serviço público constituía um espaço propício à profissionalização das mulheres. Isso porque havia regras claras e objetivas que orientavam o acesso pela via do concurso público, aonde prevalecia a igualdade e o princípio da capacidade, em torno do qual outra distinção não havia, senão a das virtudes e dos talentos dos indivíduos, características que tinha de sobejo.

 

Seguiu, assim, por essa trajetória.

 

VILMA MAZZEI CAPATTO, nascida no dia 1º de maio, parece não ter sido por acaso sua escolha profissional dirigida à Magistratura do Trabalho.

 

VILMA MAZZEI CAPATTO que antes advogou para empresas nacionais e multinacionais foi aprovada em 1981 no VII Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Substituto do Trabalho do TRT da 2ª Região, encontrando a partir de então sua verdadeira vocação.

 

VILMA MAZZEI CAPATTO que ingressou na carreira como Juíza do Trabalho Substituta de Junta de Conciliação e Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, exerceu tal função até 04.06.1986.

 

VILMA MAZZEI CAPATTO que foi promovida a Juíza Titular de Junta de Conciliação e Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, em 05.06.1986, com exercício inicial na Junta de Conciliação e Julgamento de Jaú,  removeu-se a seguir para 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de Santo André, Estado de São Paulo, onde permaneceu por longa data. 

 

VILMA MAZZEI CAPATTO que foi promovida à função de Desembargadora do E. Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em 26/07/2001, exerceu  tal mister até o dia de sua morte, ocorrida em 07/01/2015.

 

Nunca reconheceu a magistratura como profissão, no sentido de atender apenas às suas necessidades de subsistência. A carreira sempre foi, para ela, bem mais do que isso. Passou a ter um aspecto fundamental na sua vida. Passou a atender não só as suas necessidades materiais, como, também, as espirituais. Isso porque nela ela viu somarem-se os valores morais, o conhecimento, a criatividade e a experiência.

 

Na vida particular era o otimismo em pessoa.  Sonhadora. Dificilmente desanimava. Estava sempre segura de que depois das dificuldades viria a bonança e, mais, que esse novo tempo seria uma ocasião de raro prazer. Colecionava momentos felizes movida pela idéia de que um dia, já exausta de suas ilimitadas investidas pela vida, estufaria o peito e diria, “Fui Feliz”.

 

Em família era costumeiramente gentil e afável. Exímia em ver detalhes. Exerceu seus papeis de filha e de mãe com amor e dedicação. A primeira infância de seu filho Rodrigo foi o período mais doce e suave de sua vida, em que esteve com a sensibilidade mais desperta.

 

Sempre se apresentava com um belo sorriso nos olhos. Era generosa, amante da vida, amante de seus amigos.

 

Jamais tinha má palavra contra quem quer que fosse. Gostava de todos que a cercavam. Conservava suas amizades, mesmo as mais antigas. Zenita é um exemplo dessa verdade.  Conheceu-a quando ainda cursavam o primeiro grau no Colégio Estadual Alberto Levi. O tempo passou. A vida ao redor se transformou. A distância se impôs, já que Zenita mudou-se para Maceió há cerca de três décadas e, passados mais de 50 anos, ainda honrava essa relação. Tinha para si que a amizade era o vínculo mais nobre que pode existir entre dois seres humanos.

 

Desde muito jovem seu sonho era cursar a Faculdade de Direito, e para alcançá-lo direcionou todos os seus esforços. Devotava, pois, um carinho muito especial aos amigos das Arcadas, de sua querida São Francisco. Denominava-os docemente de a “Turma da Confraria”. Amizade de mais de 40 anos.  Organizavam encontros através dos quais todos se tornaram livres e felizes, num verdadeiro ritual de renascimento. Afinal, era preciso celebrar a vida. De preferência com um bom vinho ou com uma bela taça de champanhe.

 

Tinha uma sagrada relação com um grupo de amigas que por um desses milagres da vida encontrou pelo caminho que trilhou. Ana Maria, Ana Martha, Aparecida, Denise, Doralice, Elency, Maria Aparecida, Mercia, Norma, Silvia e Sonia.  A “Turma das Meninas” que, por força de união fraterna que já perdura por mais de 30 anos reúne-se mês após mês, ano após ano para uma simples troca de afetos, para uma deliciosa comunhão, para ouvir as belas lições de vida que cada uma traz consigo.  Resgatando velhas histórias, momentos partilhados, vividos e sentidos. Vibrando com as muitas vitórias, com as encantadoras vitórias de cada uma. Sofrendo com algum coração rompido, encorajando-se mutuamente para seguir em frente pela vida, apesar de suas adversidades.

 

As portas de sua casa estavam sempre abertas. Recebia a todos com um belo sorriso e com olhos muito alegres. Nunca admitia ter problemas. No máximo, pequenos contratempos. Levava a vida com leveza. Afinal amanhã seria outro dia. Não via razão para sofrer inutilmente. Antecipava, assim, o prazer, ocupando-se de coisas que considerava nobres, coisas que lhe davam pura alegria.

 

Mesmo obrigada a encarar o espectro sombrio de uma grave enfermidade, enfrentou-a com coragem. Não se abateu. Manteve uma energia quase poética. Preparava-se para uma cirurgia com a certeza de seu absoluto sucesso. Sempre com esmalte nas unhas, cabelo impecável e batom nos lábios sorridentes. Voltava alegre, como podem atestar outras duas grandes e queridas amigas, Rosa Maria e Riva que tiveram a oportunidade de acompanhá-la de perto nesses momentos.

 

Enfrentava com galhardia o tratamento difícil que lhe foi imposto pela doença. Jamais reclamava. Sua fé na Divindade dava-lhe forças.

 

Adorava viajar. Preparava cada uma de suas férias como se estivesse organizando uma grande festa. Cumpria todos os rituais para se afeiçoar ao desconhecido. Na última, num lugar distante e desconhecido, confortada por seu amado filho Rodrigo, sem sofrimento, deixou a folha dobrada. Inscreveu a sua pegada depois do último horizonte. Desenhou na paisagem nunca vista, a marca de sua presença.

 

E, no derradeiro dia, uma de suas amigas da “Turma das Meninas”, a Doralice, emocionada, dedicou-lhe um último poema. Com ele, queremos saudá-la, ao encerrar esse texto. Afinal, no final, só tem importância o fica no nosso coração.

 

 

 

De tudo ela tinha apenas uma certeza: a de que não havia limites para sonhar.

Os sonhos sempre lhe serviram de alimento e deram brilho a sua vida fazendo-a pulsar.

Sem eles teria sido uma existência morna.

Mesmo quando a noite se anunciou, ela não desistiu de sonhar.

E o fez pisando em muitas terras, vibrando em cada uma delas como se fosse a única ou a última.

E, como num sonho almejado, seu espírito afinal encontrou o derradeiro caminho.

No meio do oceano longínquo iluminou-se em mil pedaços, como chuva de estrelas em noite de festa.

Agora sim, ela encontrava o caminho de casa.

Agora sim, sua vida dava-se por cumprida.

Agora sim, ela podia dizer “fui feliz”.

 

 

 

 

A Turma das Meninas, por Maria Doralice Novaes

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